Segundo dia - Segunda-feira - 30 de Julho
Como não foi fácil adormecer também não foi fácil despertar. Que nos acontecia? Que nos inebriava? Tudo. Tudo! Os grilos e os ralos a cantar, os cães a ladrar, as estrelas a brilhar, as nuvens a bailar, o céu — o imenso céu —, por cima das nossas tendas, os amigos a falar ou a ressonar na tenda ao lado, as histórias que faltava contar, recontar ou conferir, o vento quente, o cheiro a terra, o cheiro a ar puro, o cheiro a frutos frescos nas árvores, o cheiro a campo, a monte e a natureza, a lua. Tudo: os cheiros, as sombras, as luzes tépidas, os amigos, os ruídos, o descanso. Como poderíamos dormir?
Pequeno-almoçamos à hora certa. E à hora certa ouvimos o Frei João apresentar-nos o Acampáki. Claro que ‘hora certa’ é como quem diz... Num acampamento anda-se sempre em hora certa!
Na apresentação do Acampáki surgem mais surpresas: o texto de saudação que o Responsável pela Pastoral Juvenil da Ordem escrevera para o Guião fala de amigos e de amizade. Contamos as vezes em que se fala de amigos e, surpreendentemente, o número corresponde aos amigos que ali éramos: 25! O dito Responsável afirma que não fora propositado. Segunda surpresa: a pedido do Frei João alguém lê as Regras do Acampáki e depois — talvez porque ele não queira o cognome de Frei João das Regras — chama para junto de si dois ou três reguilas e, juntos, consentidamente, rasgam as Regras. A bola passa para os acampákis, que, à noite, devem apresentar as novas Regras.
Segue-se a piscina. O almoço. A preparação do sarau nocturno, que inclui a apresentação do Patrono de cada aldeia: S. João da Cruz, S. Teresa de Jesus e B. Redento da Cruz.
A meio da tarde o Acampáki pára. É a Hora de Silêncio. Inicialmente estranha-se, depois entranha-se. Oferece-se a cada acampáki uma pequena biografia de São João de Cruz, e... silêncio. O silêncio, como o restante horário, não foi negociado, mas ainda assim a hora passa rápido. Ao silêncio sucedem-se os mergulhos na piscina e a estes o jantar e ao jantar o sarau. O primeiro.
No sarau cada grupo safa-se como pode. Mas todos apanhamos uma barrigada de riso (e mais nos riríamos se fosse ao fundo) quando a Aldeia do B. Redento da Cruz põe o seu Patrono a enfrentar os mares (digo, a piscina) numa frágil caravela, isto é, num mísero colchão de ar. Envoltos em noite escura, rimo-nos do autor da tolice e cada um espera ansiosamente que ele vá à água. Não irá. O que é certo é que nenhum acampáki jamais esquecerá a epopeia do valente Capitão Tomás Rodrigues da Cunha, futuro Frei Redento da Cruz, a quem o Prior do Carmo de Goa recusará o hábito da primeira vez que lho pede, e que, por fim, acabará sendo o primeiro mártir Carmelita Descalço.
O dia termina no Santuário, com a oração da noite. Os neo-legisladores não pensaram na coisa e o único que pensou mais que regras, gisou um interessante trocadilho. Seja.
Segue-se a cama. Segue-se? As estrelas e as tendas são testemunhas que não.